8 de setembro de 2008

Re-nascimento virtual

Apesar de a perfeição envolver uma integração completa e harmoniosa de todas as nossas diferentes dimensões num todo coerente que se manifeste sempre nas nossas acções no presente, eu ainda não estou lá. Por isso, sinto que as diferentes naturezas dos posts que tenho publicado aqui tornam pertinente uma divisão em quatro partes, correspondentes a cada uma das quatro principais dimensões humanas presentes em mim. Claro que elas se entrecruzam entre si, mas vou tentar colocar cada post na dimensão que me parecer mais adequada.

Assim, a partir de hoje só escrevo aqui:

8 de agosto de 2008

O "erro fundamental" do cristianismo

Por muitas vezes tenho percebido que é perigoso esquecermo-nos que somos animais. Realmente somos animais, e isso ainda se reflecte em muitos aspectos em nós. Reflecte-se por exemplo nas nossas relações afectivas: existem dentro de nós desejos, medos, lutas de poder, etc., que influenciam as nossas relações e a nossa vida. Apesar de ser positivo querermos ir para além dessa animalidade, se queremos realmente ir para além dela, temos que ser capazes de reconhecer essa animalidade e as maneiras como nos influencia. Só assim podemos ter uma verdadeira autenticidade nos caminhos que quisermos seguir.

Sem querer tocar sempre na mesma tecla (lol), um dos grandes caminhos em que é mais frequente as pessoas esquecerem-se dos reais princípios afectivos que regem a sua vida e as suas relações, é no caminho espiritual cristão. Quando isso acontece, perde-se a autenticidade, e consequentemente anda-se para trás no próprio caminho que se queria percorrer. Isto acontece porque a pessoa não é capaz de ver a diferença entre o ponto em que queria estar (amar o próximo) e o ponto em que está realmente. Ao não ser capaz de ver essa diferença, apresenta-se aos outros com uma intenção de ser alguém que não é. No fundo, sem querer, está a usar o outro para atingir um objectivo pessoal, e não a amá-lo realmente. O outro, por sua vez, sente essa falta de autenticidade, e afasta-se.

Eu chamo a isto o "erro fundamental do cristianismo": as pessoas comaçam a tentar amar os outros com um objectivo secundário - aproximar-se de Deus - e ao fazê-lo com um objectivo secundário comprometem a relação de amor, pois uma relação de amor só pode existir quando não acontece por razões secundárias, mas pela relação em si.

Este erro fundamental não vem de Jesus, pois Jesus fartou-se de nos alertar para a necessidade de reconhecermos o que nos falta para estar no amor, e para a necessidade de sermos autênticos no caminho que fazemos (reconhecer o nosso pecado). Vem, sim, duma vivência errada da fé. Por causa dessa vivência errada, existem milhões de exemplos de voluntariados cristãos - pessoas a fazer "o bem" - que são um triste atentado ao cristianismo verdadeiro. Exemplos mais graves, como os padres que batem nas crianças e nos doentes, ou as freiras que educam com austeridade, ou voluntários que pedem dinheiro para os famintos e que nas costas julgam e troçam dos que não dão, ou padres que na homilia pregam o amor e a humildade e quando saem da igreja ignoram o pedinte à porta... exemplos menos graves, como o sorriso superficial a esconder a real falta de interesse por alguém que está a desabafar connosco... onde está o amor em todas estas atitudes? E se não existe amor nisso, porque o fazemos, se o objectivo é amar?

Fazemo-lo por causa do "erro fundamental do cristianismo". Fazemo-lo por falta de autenticidade. A autenticidade é um dos maiores desafios no caminho espiritual cristão. Ter consciência das leis que regulam a nossa afectividade, conhecermo-nos a nós próprios, não fingir que se ama quando não se ama, é essencial para que possamos caminhar realmente para Deus. E para esse auto-conhecimento é muito importante a Psicologia. A religião precisa muito de dar atenção à Psicologia, e, por outro lado, a Psicologia não está completa sem a religião, pois a felicidade completa vem de Deus.

No fundo, o "erro fundamental do cristianismo" é o que Jesus denuncia nesta parábola, e que pelos vistos já existia antes do cristianismo:

“Subiram dois homens ao templo para orar. Um era fariseu; o outro publicano. O fariseu, em pé, orava no seu interior desta forma: ´Graças te dou, ó Deus, que não sou como os demais homens: ladrões, injustos e adúlteros; nem como o publicano que está ali. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos os meus lucros.´ O publicano, porém, mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: ´Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!´ Digo-vos: este voltou para casa justificado, e não o outro. Pois todo o que se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado.”

Quando formos capazes de ser como o publicano, aí começará a nossa viagem em direcção ao amor de Deus.

29 de julho de 2008

Vida

18 de julho de 2008

Buscas...



O espírito da música electrónica, de dança, trance, etc., parece estar ligado a um sentido de busca duma espécie de perfeição perdida. É frequente ver esse tipo de tema nos vídeos, na sonoridade e nas letras desse tipo de música. E essa busca parece ser assumida como uma busca sem esperança de ser concretizada, o que remete a música de dança para o reino da fantasia, para uma necessidade de compensação pelo desejo inatingível, um consolo. E, muitas vezes, com um toque de agressividade à mistura, como forma de exteriorizar a frustração sentida. Isto leva esse tipo de espírito a procurar prazeres alternativos ao que viria do desejo original, fixando-se em coisas que passam a ser, para a pessoa, manifestações indirectas desse desejo: o estético, o irreal, a noite, o sexo, as drogas.

Apesar de compreender esse espírito e de ter uma tendência para viver esse tipo de relação com a perfeição, acho que é um caminho sem resolução: nunca será mais do que uma compensação e um consolo. É preciso que se compreenda que o desejo primordial das pessoas está ao seu alcance, e é na vida real e nas relações reais com as pessoas, com a Natureza e com a vida em geral, que se poderá atingi-lo. E não é nem um bocadinho menos mágico ou intenso do que na fantasia do trance, do estético e das drogas (a vida real ultrapassa a ficção, se a soubermos viver como deve ser).

Quando se atinge esse desejo, a sua vivência não tem nada de consolo ou compensação, nem se fixa em manifestações indirectas, nem tem toques de agressividade frustrada à mistura. É simples, bom, positivo, e dá um sorriso sincero e transparente.

13 de julho de 2008

Uma possível definição de maturidade: aceitar e estar preparado para as últimas consequências daquilo que se faz; e ter todas as diferentes "partes" de si mesmo reunidas num todo integrado, definido e coerente.

12 de julho de 2008

O mar tem mais de mil estados de espírito diferentes, e identifico-me com cada um deles. Gostava de o conhecer melhor e de ter uma ligação sólida com ele, mas infelizmente há alguns obstáculos que nos separam. Nunca tivemos uma relação mais do que superficial. Quem sabe um dia arranjo um barquito e deixo-o levar-me por aí.

7 de julho de 2008

Ainda a fé...


Aproximarmo-nos de Deus não se faz a partir do nada, mas sempre a partir duma relação, e tendo como "instrumento" as características específicas dessa relação. A fé É uma relação, e não uma perspectiva ou uma teoria. Jesus não escreveu nada porque sabia que não deveriam ser as Escrituras a falar-nos de Deus, mas sim as "letras" vivas transportadas nos gestos, atitudes e emoções daqueles que nos transmitissem aquilo que encontraram Nele. Evangelizar não deve ser absolutamente nada mais do que duas coisas: testemunhar e viver. Testemunhar, é descrever o efeito que Deus teve em nós, a quem o quiser saber. E, quando se está perto de Deus, só pelo facto de se viver e de se agir da maneira que nos for mais natural, está-se a transportar Deus aos outros. Ponto final... tudo o resto está a mais e não leva Deus a ninguém. E aquilo que não faz aproximar, faz afastar.

Jesus lançou essas "letras" vivas aos primeiros Doze, e essas "letras" deveriam ter prosseguido sempre de pessoa em pessoa, através de relações humanas cheias de Deus nos gestos, atitudes e emoções, até aos dias de hoje. Até mim e até ti que estás a ler isto. Era suposto, e era essa a vontade de Jesus, que O tivéssemos conhecido através de gestos, emoções e atitudes de alguém que também O tivesse conhecido dessa maneira através de alguém que O tivesse conhecido dessa maneira, etc., etc., de alguém que O tivesse conhecido pessoalmente há dois mil anos. Isso não aconteceu, e uma prova de que o Espírito Santo existe e age, é que mesmo assim continua a ser possível conhecermo-lO nos dias de hoje: porque o Espírito está Vivo e continua a soprar a quem O procura, como sempre fez.

Essas "letras" vivas, no fundo, são quatro: amor. Deus É amor, e quem ama está - ao amar e só por amar - a ser morada de Deus. Quem estiver com essa pessoa estará também com o seu "Inquilino".

Se alguém pensa aproximar-se de Deus sem que isso lhe traga uma profunda mudança a partir de dentro, desengane-se... Aproximarmo-nos da luz implica que as trevas em nós se dissipem. Mas isso só acontecerá na medida em que formos permitindo e querendo, pois Deus não se impõe a ninguém. Nada ficará no lugar. Um coração que se aproxima de Deus é como a terra debulhada misturada com a semente.
O Espírito vem e mexe, levanta, revira, troca e atira. No fim, qualquer palavra que não seja de agradecimento e louvor parece a mais. Fica o silêncio de quem cala perante uma paisagem indescritível. Um coração de fé é um coração ferido, tocado... Não se pode aproximar de Deus sem sangrar. E nesse sangrar vai-se tudo o que estava a mais em nós. No fim fica-se vazio... mas mais cheio do que nunca.
Tão cheio que, "se eles se calassem, as pedras gritariam".

O caminho de Deus é sempre de ressurreição. É a Cura do coração.

Aleluia :)

1 de julho de 2008

Fés

A minha geração é uma geração de pouca fé. Não sei que fenómenos socio-político-históricos provocam essas tendências, mas a maioria das pessoas da minha idade pouco ligam a coisas espirituais, e tendem muito a achar que descobriram a pólvora ao dizer que "só existe esta vida que vemos e mais nada". É bom para mim ver que essa tendência parece ter desaparecido, uma vez que eu tenho fé.

Em muitas conversas que tenho tido com pessoas de 20 e poucos anos e menos, a tendência é não só a de acreditar, mas até de acreditar em coisas muito variadas: reincarnação, lei da atracção ("O Segredo"), espiritismo, bruxaria, destino, Budismo, Cristianismo, gnosticismo, religiões afro-brasileiras, New Age, etc. Tudo me tem aparecido nas conversas que tenho tido, e muito poucas vezes o cepticismo.

É muito bom ver que hoje em dia as pessoas já não têm dificuldade em vislumbrar coisas que vão para além daquilo que vêem. O que não quer dizer que não haja agora outras dificuldades: a questão da nova geração não se põe em termos de "concreto/invisível", mas em termos de "invisível/invisível/invisível", o que também pode ser desconcertante. O grande desafio é agora a necessidade de orientação dentro da grande variedade de possibilidades que as pessoas vêem. Não há fome que não dê em fartura...

Agora as pessoas são mais exigentes com aquilo em que acreditam, e têm "fés" mais complexas. Cada pessoa parece percorrer caminhos mais fundamentados na busca de respostas, e as respostas que encontram parecem ser mais elaboradas que as de antigamente. Essas respostas acabam por ser muito variadas, e parece que há quase uma religião por pessoa: cada uma pega numa grande variedade de elementos que lhe fazem sentido, e constrói o seu próprio sistema de interpretação da realidade.

Quanto a mim, seja perante a fome de antigamente, seja perante a fartura de agora, cada vez estou mais agradecido a Deus pela fé que me deu. Por mais voltas que dê à cabeça, e principalmente ao coração, não encontro nada mais possível, mais bonito e mais consolador do que o Deus-Amor, humilde, misericordioso, verdadeiro e livre; o Deus que é Pessoa com identidade própria, e que nos cria com uma identidade própria. O Deus que, mesmo antes de nascermos, já nos tratava pelo nome. O Deus que, mal nos vê a regressar para Ele, ao longe, larga tudo e se nos agarra ao pescoço a cobrir de beijos. E por último, mas nada menos importante, o Deus que tomou a nossa forma: dois braços, duas pernas, duas mãos, para que possamos voltar para mais perto Dele.

Aleluia :)

18 de junho de 2008

Amor não é fantasia

Porque é que, quando conhecemos alguém e pomos a hipótese dessa pessoa ser a pessoa certa para nós (em termos amorosos), não incluímos nessa avaliação o prazer e a satisfação que a relação nos está a dar, e também o timing em que essa pessoa apareceu na nossa vida?

Eu explico: às vezes queremos por força que alguém seja a pessoa certa para nós, mas na realidade e na prática, quando estamos com essa pessoa, não estamos felizes com ela nem ela connosco. Mas apesar disso, pensamos que pode ser porque falta esta condição ou aquela: porque não nos conseguimos exprimir ou agir como somos, ou porque não nos temos entendido, ou porque um ou outro estão a passar por uma fase qualquer, e achamos que depois é que vai ser, etc., etc.

Mas a questão é esta: se eu estou bem comigo mesmo e essa pessoa também, se temos a nossa identidade bem definida, e se exteriorizamos bem aquilo que somos interiormente, então o melhor indicador de se essa relação faz sentido, é pura e simplesmente o prazer e a realização que temos com essa pessoa. Se dá muita frustração ou se não é óptimo estar com ela, então... é porque não estamos bem um para o outro... ponto final.

E em relação ao timing? Bem, por exemplo, uma pessoa que seja perfeita para nós, mas que tenha vivido no séc. XV, não faz muito sentido, pois não? Da mesma maneira, uma pessoa que pareça perfeita para nós e esteja viva, mas que não esteja nesse momento sintonizada connosco, embora talvez pudéssemos ser muito felizes noutra altura... também não faz muito sentido.

Não há volta a dar: uma relação que faça sentido dá MUITO prazer e satisfação, e AGORA, não noutra altura qualquer. Se perdemos mais do que algum tempo a tentar que resulte, meus amigos... está na hora de andar para a frente, porque a pessoa realmente certa está algures lá fora.

Acho que isto tem muito a ver com o facto de que nos guiamos mais por fantasias internas do que pela própria experiência. São as expectativas em acção: queremos fazer um filme bonito com as coisas e as pessoas que pensamos que têm que fazer parte desse filme, em vez de viver as coisas que realmente acontecem. Mas o mais irónico é que a haver um filme bonito, só acontecerá com as coisas que são reais.

8 de junho de 2008

Sou como um velho combatente, mas nunca combati. Não travei batalhas, mas vejo-as passar algures em mim. Trago marcas de guerras que não vivi.

Procuro paz, comida e algum prazer passageiro: um sorriso, uma brisa, um cheiro perfumado. Vivo o dia a fugir do passado. Sento-me na berma da estrada, com a perna amputada, que por acaso trago arrastada. Meninas pequeninas fitam-me rindo. Pisco-lhes o olho e seguem caminho, de mãos agarradas a mães preocupadas.

Vivo de esmolas. Dois sorrisos pagam a jornada. Copos baços de licores coloridos, tascos abafados de fumo e de gente. Dão para a semana toda. Gosto de ver os dias passar, sentar-me à tarde à beira do mar na companhia de rafeiros esfomeados.

Há qualquer coisa de bom em não contar com nada.
Fica-se todo naquilo que se tem, e o que se tem fica mais real.